Escrever sobre Jesus de Nazaré é um grande júbilo, mas, comporta um grande risco. Sua pessoa é intrigante, um marco na história e para a história. Pode configurar-se como um paradigma e ainda culminar em mera verborragia. O seu ser é credível, numa epifania infinita Se nos apresenta e nos cativa. Convida-nos a sermos seus seguidores e garante que estará conosco até a consumação dos séculos. (Cf. Mt28, 20).
A partir dessa consistente esperança apraz uma reflexão sobre o ser de Jesus de Nazaré, embora a inteligência humana seja deveras limitada, seu conteúdo é inesgotável e ilimitado. Toda forma de se referir a Ele será sempre apenas uma humana forma de expressar, no entanto, se isso já é possível é por que Ele nos permite e nos condiciona pela fé a fazê-lo.
O mestre que fala pelos evangelhos não ensina algo que aprendeu de outro, mas ensina aquilo que Ele mesmo é. Com efeito, suas palavras devem radicar-se no coração e dar forma à vida, modelar cada ser humano de acordo com sua proposta. Ele é a razão de ser de todas as coisas, a justificativa do universo e n’Ele temos a vida e vida em plenitude. (Cf. Jo10,10).
A atitude de Jesus, o seu sair, pressupõe, a criação não como um declínio, mas uma elevação, n’Aquele que de tão grande fez-se pequeno para elevar-nos à grandeza de filhos de Deus.( Cf. Fl2,7). E justamente por assumir essa condição de servo, que seu nome foi grandemente exaltado como o mais sublime (Cf. Fl2, 9). Com efeito, essa exaltação ao Senhor foi realizada como um efeito, cuja causa foi seu rebaixamento. Confirma-se aí que os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos (Cf. Mt19,30).
Os pequenos deste mundo são em Cristo os maiores. Nenhuma criatura é desprezível. Unida a Cristo, a criatura aparentemente mais insignificante ajuda o mundo inteiro, e com isso não é nunca inútil. Os prediletos do Senhor são os pequenos, os simples. “Do mesmo modo, o Pai que está no céu não quer que nenhum desses pequeninos se perca” ( Mt18,14).
Contudo, todas essas considerações nos são dadas pela fé, e esta é derivada do terno olhar de Deus para o homem que nos purifica e nos torna capazes d’Ele. A palavra de Jesus não é simplesmente palavra, mas Ele próprio. Com efeito, a solicitação para fazermos o que fez Jesus não é um apêndice moral do mistério ou mesmo algo em contraste com Ele, tal solicitação deriva da dinâmica intrínseca do dom, com o qual o Senhor nos torna homens novos e nos acolhe dentro do que é seu.
O modo de agir de Jesus torna-se nosso, porque é Ele mesmo que age em nós. O alto caminho onde encontramos a radical exigência que revela na humanidade, um novo humanismo. “Quem crê em Mim fará as obras que eu faço e fará até maiores do que elas, porque vou para o Pai” (Jo14,12).
O que é precisamente essencial nas palavras do Senhor não é o apelo a uma prestação máxima, mas o novo fundamento do ser que nos é dado. E o mestre convida a unirmos nosso ser ao seu Ser. “Fiquem unidos a mim e eu ficarei unido a vocês. O ramo que não fica unido à videira não pode dar fruto” (Jo15, 4). Ele se nos apresenta como a fonte na qual nós somos arraigados e sustentados, e fora Dele não há vida, porque sem Ele nada podemos fazer (Cf. Jo15, 56).
O que conta é a inserção do nosso eu no d’Ele, “já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl2, 20). Isso permite elucidar-nos de algo fundamental, no qual não somos nós que nos fazemos cristãos, mas tornamo-nos cristãos graças à ação do Senhor. O pai que nos glorificou nos glorifica de novo (Cf. Jo12, 28).
O problema essencial da história do mundo está radicado na ruptura do homem com Deus, pois Ele é o critério decisivo para tudo, Sua presença é o norte mais prolífico. No qual sem Ele, o homem não se reconhece a si próprio, desfigura-se. É no diálogo com o Senhor que nós nos reconhecemos e nos orientamos.
Nesse sentido falta ao homem de hoje a busca pelo imutável, o depósito de confiança n’Aquele que constantemente é, e não deixa de ser. É preciso dizer como os gregos disseram a Filipe “senhor, queremos ver Jesus” (Jo 12, 21). Nisso consiste também o nosso ser cristão. Pois seu início não é fruto de uma decisão ética ou de uma grande ideia, mas do encontro com Aquele que dá a vida um novo horizonte, um novo sentido.
O mestre garante que quem o serve não estará sozinho, mas onde alguém estiver servindo-O, Ele estará presente (Cf. Jo12, 26). Jesus aponta para a coerência do ser, à sua total adesão à sua finalidade. “Pai livrai-me dessa hora? Mas foi precisamente para essa hora que eu vim” (Jo12, 27), com efeito, a condição de ser enviado por Jesus deve ser um qualificativo sinal de vida. Os discípulos devem ser maduros ao afirmarem que a doutrina não é deles, que não anunciam a si próprios, mas sim aquilo que ouviram.
Deus colocou em nosso coração a marca para a santificação (Cf. 1Cor,22). Essa que consiste em estar unido a Ele e ser fiel ao seu projeto. O ser de Jesus é um “ser para”. Se isso for apreensível a nós, a aproximação ao seu mistério será intensa e nos será lúcida a noção de seguimento. De tal forma, sermos seus discípulos para também sermos seus missionários.
A missão de Jesus é árdua, enfrenta a aridez da vida (Cf. Mt4, 1). E nessas difíceis circunstâncias, o Senhor experimentou a solidão extrema, toda a tribulação de ser homem. E, com efeito, o homem torna-se verdadeiro, torna-se ele mesmo quando se conforma a Deus. Então alcança a sua verdadeira natureza. Deus é a realidade que dá o ser e o sentido.
Na pessoa de Jesus, no seu ser, aparece o ser humano como tal. Nele se manifesta a miséria de todos os prejudicados, nela está expressa a desumanidade do poder humano, daquilo que não é perene. E, contudo, se não pensarmos em Cristo, como alguém além do tempo, Ele se torna uma personalidade religiosa falida e inconsistente.
Ele é a estrela que nos guia sempre (Cf. Mt2, 9), a força que nos sustenta, a alegria que nunca nos abandona. Neste aspecto consiste precisamente a felicidade do homem; no rompimento com o absoluto de si mesmo, para reconhecer e depender do absoluto “ser” de Jesus. “Esta é minha alegria, e ela é muito grande. É preciso que Ele cresça e eu diminua” (Jo 3,29b-32).
Jesus é aquele que perenemente é e não deixa de ser, sua morte física não é o fim, é apenas um hiato que inaugura uma nova forma de ser homem. A realidade definitiva é única, o nosso grande objetivo. A fé nos descortina um novo horizonte, mas Jesus não está no horizonte, não é um modo de ser inalcançável, mas Aquele que está conosco até a consumação dos séculos (Cf. Mt16, 20).
Ele caminha conosco e dialoga conosco na caminhada (Cf. Lc24, 15-17). Se nos revela e permite-nos enxergá-Lo e senti-Lo. O homem hodierno carece deste sentido, carece da essencialidade e de colocar Jesus em seu lugar necessário. É preciso que o ser humano saiba olhar além das penúltimas coisas e dessa forma não absolutize aquilo que vê. Jesus deposita-Se no coração humano e faz com que o nosso coração veja.
É sobremaneira necessário não nos prendermos a um mero materialismo que não permite ver nada além deste mundo. E chegarmos diante do Senhor e clamar com total sinceridade “Senhor eu quero ver de novo” (Lc18, 41). E a partir daí ver o mundo com os olhos d’Ele, para que o ser humano possa agir n’Ele e por Ele.
O ser de Jesus de Nazaré não é uma modalidade construída, não é um fruto de uma particular cultura, mas algo que nos supera a nós mesmos. E que veio para resgatar o que estava já perdido (Cf. Lc19, 10). Ele também é um ser que chora (Cf. Lc 19, 41). “Se também vocês compreendessem o caminho da paz! Agora, porém, isso está escondido aos vossos olhos (Lc 19, 42).
O mestre refere-se à fluidez humana, à sua distração que não permite perceber a Sua presença e radicar-se nela ( Cf. Lc 19, 44). Ele conforta-nos apascenta os nossos corações (Cf. Jo14, 1). Tranqüiliza-nos quando Se nos apresenta como “O caminho, a verdade e a vida” (Jo14, 6). E nessa exímia e total confiança podermos exclamar com a integralidade do nosso ser, como pronunciou São Pedro no terceiro insistente questionamento do mestre. “Senhor, tu sabes todas as coisas tu sabes que eu te amo.” (Jo21, 27).
ALESSANDRO TAVARES ALVES
Seminarista – II ano de Teologia