O Papa emérito Bento XVI, em 2007, publicou sua encíclica sobre a esperança cristã, Spe Salvi, nela, ele aborda importantes questões sobre esperança, bem como sua necessidade para enfrentar as situações do cotidiano da existência humana. O pontífice analisa estruturalmente a relação do homem com o transcendente e então conclui que o ser humano é um ser de esperança. Existe por ela, identifica-se sendo assim, esperançoso.
Com efeito, é preciso discernir sobre essa esperança, para que não caia em um mero sentimentalismo, ou expressão de fuga da existência, ou ainda um ócio intelectualizado, bem elaborado para acostumar o homem aos seus sofrimentos. Bento XVI pensa a esperança como algo inerente ao ser do homem, a sua dimensão transcendente, sua abertura ao Absoluto.
Assim afirma o papa emérito: “o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceite, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta; se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho” (SS 1). O que dá segurança para alcançar essa meta é a esperança, que possibilita ao homem ver mais longe, enxergar além das penúltimas coisas.
A esperança é um distintivo daquele que é seguidor de Jesus Cristo, que crê na sua ressurreição, aposta nela e se sustenta por ela, “aparece aqui também como elemento distintivo dos cristãos o fato de estes terem um futuro: não é que conheçam em detalhe o que os espera, mas sabem em termos gerais que a sua vida não acaba no vazio” (SS 2). A esperança aparece como aquela que elimina o puro acaso, o simplesmente ‘terminar’ da existência humana.
Ela dá sentido à vida, ao existir, ao sofrimento. A esperança sinaliza Jesus como o critério decisivo para tudo, Ele é a explicação de tudo, fora Dele tudo se perde, nada tem consistência, o homem desemboca no vazio. Nesse sentido, a esperança precisa ser um modo de ser, de estar no mundo, não fixando – se e encerando-se nele, mas numa perspectiva grande, maior, que abre o horizonte e enobrece a existência humana com a graça de Deus.
O Evangelho torna-se então, uma realidade performativa, não apenas informativa, como esclarece o papa: “isto significa que o Evangelho não é apenas uma comunicação de realidades que se podem saber, mas uma comunicação que gera fatos e muda a vida” (SS 2). A esperança impulsiona um novo modo de agir, transforma o homem em um ser missionário, ou seja, gera nele tão grande alegria que não consegue guardar para si, precisa anunciar aos outros, transmití-la como boa- nova a todos.
Essa realidade muda, transforma o ser humano a partir de dentro, muda a inteira existência do homem, faz dele outro ser, pois ela é mais forte que o sofrimento, supera e dá sentido a todas as angústias, permite enxergar a realidade por inteiro. Uma vez que é constituída pela porção visível, como também por aquela que é invisível e que tangencia todo ser humano. Haja vista que um ser sem esperança é um ser incompleto, preso às suas próprias amarras e destinado à tragicidade.
A esperança carrega a existência de sentido. Nessa perspectiva afirma o pontífice: “não são os elementos do cosmo, as leis da matéria que, no fim das contas, governam o mundo e o homem, mas é um Deus pessoal que governa as estrelas, ou seja, o universo; as leis da matéria e da evolução não são a última instância, mas razão, vontade, amor: uma Pessoa. E se conhecemos esta Pessoa e ela nos conhece, então verdadeiramente o poder inexorável dos elementos materiais deixa de ser a última instância, deixamos de ser escravos do universo e das suas leis, então somos livres” (SS 5). A esperança liberta, faz com o homem seja ele mesmo na sua vocação intrínseca.
Bento XVI assinala ainda com acerto: “o céu não está vazio. A vida não é um simples produto das leis e da causalidade da matéria, mas em tudo e, contemporaneamente, acima de tudo há uma vontade pessoal, há um Espírito que em Jesus se revelou como Amor” (SS 5). A esperança adoça a existência, faz com que ela seja possível de ser suportada e possibilita saboreá-la em sua inteireza.
Portanto, somos chamados a sermos testemunhas de uma esperança que parece loucura. De um Cristo pregado na cruz que trouxe sentido à vida de muitas pessoas que passaram em seu caminho, em seu êxodo de esperança. Assim, Jesus é a Palavra que saiu do silêncio, aquele que é em pessoa o êxodo de Deus de si mesmo por nosso amor, o Filho Eterno que se fez carne e abre acesso ao mistério abissal da Trindade divina.
Somente olhando para vida de Cristo conseguiremos encontrar razões que possam dizer de uma esperança em meio a tanto desespero, já que a vida parece, portanto consistir somente na inexorável viagem rumo às trevas sobre a vertigem do nada que ganha vulto a situação emotiva da angústia. Vida esta que muitas vezes põe o ser humano em silêncio diante da varias situações de morte em nossa sociedade. Matamos a natureza, matamos as relações, matamos o respeito mútuo e o amor verdadeiro.
Torna-se cada dia mais necessário buscar conhecer quem é Jesus e ouvir dele o chamado que interpelou um dia a Felipe e a Pedro e hoje nos interpela de maneira forte e esperançosa “vinde e vede” (Jo 1, 39) e ainda “Segue-me” (Jo 1,43). O Romano Pontífice afirma: “o homem tem necessidade de Deus; do contrário, fica privado de esperança” (SS 23).
Vale, com efeito, reafirmar as palavras do pontífice: “mais ainda: precisamos das esperanças – menores ou maiores – que, dia após dia, nos mantêm a caminho. Mas, sem a grande esperança que deve superar todo o resto, aquelas não bastam. Esta grande esperança só pode ser Deus, que abraça o universo e nos pode propor e dar aquilo que sozinhos, não podemos conseguir. Precisamente o ser gratificado com um dom faz parte da esperança. Deus é o fundamento da esperança – não um deus qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até o fim: cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto” (SS 31).
O homem é um ser de esperança e deve se pautar por ela, para que cada vez mais seja ele mesmo, sempre de novo, na fidelidade à sua vocação.
ALESSANDRO TAVARES ALVES
III ANO DE TEOLOGIA
Referência
BENTO XVI, PAPA. Spe Salvi: sobre a esperança cristã. São Paulo: Paulinas, 2007.
