Embaixador do Vaticano no Brasil visita distrito de Bento Rodrigues acompanhado de bispos de Minas e Espírito Santo. O ato, promovido pelo Regional Leste 2 da CNBB, causou um misto de solidariedade, perplexidade e indignação com o andamento das negociações entre empresa, atingidos e poder público
Sete meses se passaram, mas em Bento Rodrigues, distrito localizado em Mariana, Minas Gerais, o tempo parece que não passou. A destruição provocada pela lama da barragem da Samarco congelou o tempo e a tristeza teima em se manter em cada ferro retorcido ou parede caída, deixando nítido o pânico dos moradores naquela tarde de 5 de novembro de 2015. Parado em frente ao local onde morava, o senhor Filomeno da Silva, de 82 anos, tenta explicar o que sente. “A gente sente alívio, por um lado, porque salvamos muita gente. Agora estou eu aqui mostrando tudo para as pessoas, onde a gente morava, vivia há muito tempo. A gente tinha casa, morava aqui (apontando para o que sobrou de sua casa) e de repente não tinha mais nada. Eu já chorei muito quando vinha aqui. Agora eu parei de chorar um bocado. Mas sinto muita tristeza em ver como tudo ficou. Dá tristeza saber como era e ver como tudo está. Eu tinha toda a história de Bento registrada e guardada na minha casa. O livro de atas das reuniões da Igreja de São Bento ficava comigo. Eu tinha medo que ele sumisse e guardava com carinho. Agora ele deve estar aí, no meio da lama.”
Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, da empresa Samarco, deixou 19 mortos. O desastre afetou distritos de Mariana, além de cidades por todo leito do Rio Doce até sua foz, no Espírito Santo. Os rejeitos atingiram mais de 40 cidades de Minas Gerais e no Espírito Santo e chegou ao mar. O desastre ambiental é considerado o maior e sem precedentes no Brasil.
Nesta quinta-feira, dia 9 de junho, alguns moradores, sobreviventes da catástrofe, voltaram ao local acompanhados do embaixador do Vaticano no Brasil, dom Giovanni D’Aniello e mais de 30 bispos que fazem parte da Regional Leste 2 da CNBB, que é formada por Minas Gerais e Espírito Santo, exatamente os dois estados atingidos pela tragédia. Uma visita de solidariedade e contemplação. “Este é sem dúvida um momento de solidariedade e comunhão com todo o distrito de Bento Rodrigues por tudo o que passaram, pelo sofrimento. Viemos deixar aqui a nossa oração e dizer que também sentimos o efeito de tudo isso. Somos da diocese de Colatina e a lama passou também por lá destruindo tudo. Chegou depois de onze dias e deixou para nós a destruição da população ribeirinha além do grande prejuízo ambiental” disse dom Wladimir Lopes Dias, bispo de Colatina. Emocionado, ele pediu justiça. “Aqui a gente sente uma comoção muito forte. Aqui foram perdas de vidas humanas irrecuperáveis. A gente acredita na ressurreição, mas foram vidas e famílias que foram destruídas. Histórias de famílias que viviam aqui e que foram totalmente destruídas. O que nós vemos é o descuido com a Casa Comum, como diz o Papa Francisco naLaudado Si (Encíclica que fala sobre o cuidado com o planeta Terra e os seres humanos). Descuido com o planeta e com a pessoa humana. Vemos aqui que o capital está acima de tudo. O homem que é o centro da criação, depois o trabalho e só depois o capital. Mas aqui nós vemos justamente o contrário. O que vale é o capital, sem se preocupar com o homem, com a natureza e com a vida das pessoas. Tudo isso poderia ter sido evitado. Esperamos que haja justiça e que a empresa recupere o que foi destruído e indenize as pessoas com o valor justo e dê todo o acompanhamento”, destacou dom Wladimir.
A visita fez parte da Assembleia do Conselho Episcopal de Pastoral do Regional Leste 2 (Minas Gerais e Espirito Santo) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que aconteceu em Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto, entre os dias 6 e 9 de junho. Segundo o presidente do Regional Leste 2, dom Paulo Peixoto, a ida a Bento Rodrigues foi o gesto concreto feito pelos bispos e coordenadores de pastoral das dioceses que participaram da Assembleia que discutiu exatamente, os efeitos da mineração no Brasil. “A Igreja tem um papel importante que é o de conscientizar as pessoas sobre o que está acontecendo e se isso condiz com a palavra de Deus. Então, aqueles que tem poder na mão, no caso de uma empresa importante como esta (Samarco), tem que estar ao lado do povo e não pensar só em um pequeno grupo. Como disse dom Geraldo (arcebispo de Mariana) é preciso que estas pessoas tenham a capacidade de pensar no humano, pois estas empresas trazem grande progresso, mas são capazes de trazer grande destruição como foi aqui em Mariana”.
Solidariedade e indignação
A visita a Bento Rodrigues foi precedida de uma celebração, que foi promovida na Igreja Nossa Senhora do Carmo, na Praça Minas Gerais, em Mariana. Durante a celebração, o Núncio Apostólico e representante do Papa Francisco no Brasil, dom Giovanni D’Aniello, deixou sua solidariedade aos atingidos pela tragédia. “O senhor me abençoou com a possibilidade de trazer a vocês a minha solidariedade e a solidariedade do Santo Padre. A Igreja deve estar sempre perto de toda gente e principalmente daquele que sofre. E hoje estou aqui para trazer a vocês o afeto e o carinho do Papa Francisco e como também as suas orações. Queria dizer que estaremos sempre caminhando juntos. Queremos estar sempre perto de vocês com nossas orações. Ai de mim se não manifestasse essa dor e essa solidariedade a vocês, mesmo não conhecendo a todos, pois na Eucaristia caminhamos juntos e somos todos irmãos e irmãs”, destacou o Núncio.
Após a celebração, em entrevista à imprensa, dom Geraldo Lyrio Rocha, arcebispo de Mariana, deixou clara a sua preocupação com os rumos dados pelo poder público e as empresas, às decisões a respeito do rompimento da barragem. “A Casa Comum foi fortemente atingida. A Casa Comum foi fortemente danificada com a tragédia de proporções incalculáveis e como eu tenho dito, de prejuízos irreparáveis. Há coisas e vidas que não voltarão nunca mais. Neste contexto todo, o que nos causa muita perplexidade é a realização de acordo entre o governo federal, os estados do Espírito Santo e Minas Gerais e as empresas envolvidas na tragédia. Como se faz um acordo sem que os interessados sejam ouvidos. Os atingidos não tiveram parte alguma no estabelecimento dos termos deste acordo. Fizeram um acordo a respeito deles sem que eles fossem interrogados a respeito do que é do bem comum e do interesse de todos”, destacou dom Geraldo.
O arcebispo, que tem acompanhado junto com o Movimento de Atingidos por Barragens – MAB todo o processo de negociação entre empresa e moradores de Bento e demais localidades, também falou da pouca abertura para a participação dos atingidos. “Além disso, pelo que sabemos até agora, a composição da direção e dos órgãos componentes da fundação criada por este acordo tem uma participação insignificante por parte dos atingidos. Uma participação em um conselho que não tem poder algum. Poderão ser atendidos ou não, dependendo não dos interesses deles, mas dos interesses dos que causaram o prejuízo. Isso é incompreensível. Confesso que me sinto extremamente perplexo de como é que se dá um encaminhamento desta natureza”, explicou indignado, o arcebispo de Mariana.
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