Em tempos exigentes sempre nos visitam as indagações mais profundas. Sejam as perguntas oriundas de uma superficialidade, como se experimenta hoje nas relações humanas desprovidas de consistência existencial, tão arraigada no superficial quanto superficial é a existência virtual. A vida é mais exigente, ela é real. A ilusão pode ser virtual, mas a dor não, ela dói e dói de verdade.
A volatilidade da vida não é sinal de sucesso, de realização existencial. A volatilidade é um mal, e, a cada dia que passa, torna-se evidente que o efêmero não sustenta a vida. No entanto, esse texto não almeja se somar ao grupo de radiografias do tempo presente, como já se vê saturado em jornais e textos das mais variadas naturezas.
O que se requer hoje é perseverar na Verdade. É continuar a acreditar quando a ditadura da aparência quer impor o contrário. A fidelidade, em todos os níveis humanos é questionada ou, em alguns casos, já não mais está no vocabulário. São Josemaria Escrivá, um grande apóstolo do tempo atual, propôs um remédio atemporal e que vale a pena dedicar algumas letras e um momento de atenção.
Em sua Obra “O Caminho”, curiosamente no número 999, afirmou: “Qual é o segredo da perseverança? O Amor. – Enamora-te, e não O deixarás”. É uma afirmação intrigante, ‘enamorar’? ‘Perseverar’? Os desatentos até mesmo teriam que buscar o significado dessas palavras, pois os que se renderam à cultura da (in) utilidade, do fútil, do artificial, já chegam a desconhecer o que é existir de verdade, existir de carne e osso. Esqueceram o que é ser de verdade.
O que o Santo propõe é olhar a vida de uma perspectiva sempre inédita, de uma janela que se abre sempre para os que acreditam, enamorar pressupõe um processo de transformação interior, reconhecimento de si, traçar horizontes tão novos quanto é nova a capacidade de acreditar. Deter-se nas coisas daqui pode cegar a esperança, daríamos razão a Mark Twain que disse que “o ser humano é o único animal capaz de arrependimento”. Não um arrependimento de conversão, mas sim de desistência.
“Enamora-te, e não O deixarás”. Essa frase é um professar a fé em Jesus de Nazaré, nosso Carpinteiro eterno. Encantar-se por Ele, quando o coração estiver sorrindo e, mais ainda, quando o coração estiver silenciosamente gritando. Esse é o pior grito, causa uma dor de quase angústia. Enamorar e não deixar, enamorar e não ser deixado, é a relação mais profunda com o único Amor capaz de preencher a vida de sentido.
É um conselho para fecundar a fé, pensar um jeito de acreditar que faça com que olhemos no espelho e digamos àquela imagem que se reflete ali: “eu sou feliz”. Para quanta gente essa frase é tão difícil, ou para quantos outros ela está apagada. Mas, ao enamorar-se de Jesus perceberá que não. O Amor nunca o (a) deixou. Ele sempre esteve ali, discreto como Deus sempre é, mas as gritarias interiores ensurdeceram o coração, cegaram os olhos do afeto e não conseguia perceber a Presença que dá sentido a todas as presenças.
Enamorar-se e jamais se perceber sozinho; enamorar-se e ter a companhia de Jesus sempre e ser capaz de rezar sempre: ‘Senhor, não me deixes’. Essa frase deveria ser repetida a cada piscar de olhos. Não há solidão que resista ao Amor. E, como dissera Vinicius de Morais: “De repente, não mais que de repente” a vida começa a fazer sentido.
A partir daí se entenderá que não é desumano sofrer, que não é tão absurdo chorar; absurdo é quem chora sem Deus, quem chora na solidão do engano e do erro. Enamorar-se de Deus e não será deixado nunca e não O deixará jamais. É um conselho para qualquer hoje, para modificar qualquer ontem e preparar qualquer amanhã.
No entanto, isso só se dará quando dermos licença ao Amor para nos amar, quando compreendermos que somos versos de um mesmo poema. A vida carece de sentido, carece de sonho. É preciso ensinar as crianças que sonhar é saudável, que nada pode roubar esse sonho que é colocado no coração de cada um desde o mais tenro início.
Seja esse conselho de São Josemaria uma meta espiritual, a tradução interior que talvez não se saiba ou, não consiga dizer ainda. A voz que precisa dizer o não dito que angustia, entristece e sufoca. Enamora-te e será feliz.
Padre Alessandro Tavares Alves
Diocese de Leopoldina
