A parábola do bom samaritano evoca a existência inteira do homem. Alude aos seus mais íntimos recônditos e o faz perceber-se sob suas várias faces. Ela vai ao encontro do ser humano na sua maior fragilidade. A misericórdia como afirma o Papa Francisco é o ponto de união do homem com Deus, o humano é alcançado pelo divino e é envolvido por Ele.
Essa parábola é um ícone para os tempos de hoje, para o homem atual, no relacionamento consigo mesmo. Ela revela o homem a si mesmo, em todas as dimensões: negligência, apatia, esfriamento como também na proximidade, acolhimento, no pré-ocupar-se do outro e com o outro.
São as dimensões do mesmo homem que se manifestam aí. Suas faces se apresentam como possibilidade efetiva de ser, de comportar-se. Jesus aponta desde o ‘passar direto’ (Lc 10, 31-32) ao deter-se pelo outro (cf. Lc 10, 33). Esse aproximar-se supera as concepções, ideologias que reduzem o homem e limita o seu enxergar. Coloca o homem, a pessoa no centro da atenção, como alvo do ‘ver do homem’ e, com isso, torna cada vez mais claro que mesmo a margem faz parte do caminho e quem lá está, encontra-se em busca de algo ou de Alguém.
Aqueles que passam direto em relação ao caído estão marcados por visões que estreitam o horizonte e diminuem o seu alcance, não enxergam a pessoa, veem o outro como apenas o outro, não dá o passo transcendental pra enxergar além das penúltimas coisas.
O que significa passar direto? Dar a volta como fizeram o sacerdote e o levita? Significa nada mais que colocar-se à margem, estar à margem pelo outro lado, é excluir-se a si próprio e desviar-se da humanidade. Fator tão próprio do homem, ser capaz, longe da graça de Deus, de desviar de sua essência, ou seja, da sua humanidade. É colocar-se fora do caminho, sair do horizonte por sua própria intenção.
Jesus inverte a lógica, faz da margem o caminho e Se faz Caminho. E, é preciso curvar-se para entra Nele, como fez o samaritano, limitado pelas circunstâncias sociais, mas que não se limita a elas. Rompe, dá um salto, percebe-se livre para ajudar, para curva-se em direção ao outro e entrar no caminho, no verdadeiro caminho.
A parábola apresenta cinco imagens do ser humano, cinco dimensões do mesmo ser que as assume na possibilidade de ser livre, que são: o homem caído, o levita, o sacerdote, o hoteleiro e o samaritano. O homem é capaz do bem, viver na iminente possibilidade de curvar-se, vencer-se, superar-se. Realizar a curva da misericórdia é uma capacidade divinamente humana, efetivamente possível.
A pergunta de Jesus “qual dos três, em tua opinião, foi o próximo do homem que caiu na mão dos assaltantes? (Lc 10, 36),revela o que Ele espera do homem, e o que o Senhor espera é justamente a consequência da curva da misericórdia, ser presença.
Nesse sentido, com efeito, supera o simples estar-aí. É a dignidade do ser, o ser sempre sendo, fazendo-se e buscando sua plenitude, querer e fazer com que o outro cresça, ou que simplesmente ele seja como fez o samaritano. Restituiu a dignidade e fez aquele homem caído sentir-se gente, pessoa de novo.
E mais ainda, a atitude do samaritano para com aquele homem é o resultado de um coração que ama, “aproximou-se, cuidou de suas chagas, derramando óleo e vinho, depois colocou-o em seu próprio animal, conduziu-o à hospedaria e dispensou-lhe cuidados” (Lc 10, 34). Essa atitude é a resposta que Jesus oferece “aquele que usou de misericórdia com ele” (Lc 10, 37).
Realizar a curva da misericórdia é parar, conduzir, dispensar cuidados, carregar nos ombros justamente aquele que não dirá obrigado. Curvar-se misericordiosamente é o trabalho com afinco e dedicação para a glória de Deus, somente para Deus.
A parábola expressa as dimensões do mesmo humano, o homem que se contempla por diversos olhares. Cada olhar, um momento da existência, um modo de ser. A curva da misericórdia representa a curva da maturidade cristã com seus estágios mais fundamentais. É preciso curvar-se para crescer na espiritualidade de Jesus de Nazaré.
ALESSANDRO TAVARES ALVES
III ANO DE TEOLOGIA
