O humano sempre provoca. Existir é indagação. A linguagem presentifica a vida em suas ilimitadas conotações que se metaforizam nas ambiguidades que, segundo Guimarães Rosa, explicam o humano. Certa feita uma pergunta provocava a inteligência: o que se vê quando se olha para o ser humano? É possível dissertar por longas páginas sobre uma resposta apurada a tal indagação. Inúmeras perspectivas hermenêuticas tentariam explicar e, com efeito, não seriam respostas suficientes.
Ao contemplar a humanidade, neste ínterim, vale compreender como aquela composta de seres humanos, percebe-se variadas posturas que se concretizam como tradução do que não se traduz. A potencialidade do ser humano para o bem e para o mal é algo que não se explica em meras linhas. O mesmo que se transfigura mediante uma realização pessoal, é aquele que se descaracteriza diante das truculências mais vis que assolam e relativizam o conceito mesmo de ser humano.
Em algum momento, Nando Reis cantara que: “a vida é mesmo coisa muito frágil, uma bobagem, uma irrelevância diante da eternidade do amor de quem se ama”. É necessário completar essa veia poética com Vinicius de Moraes quando afirmara: “ que seja eterno enquanto dure”. O efêmero bem vivido eterniza-se, fica, marca, explica-se pelo critério do sentido da vida.
A sociedade cada vez mais artificializa o afeto, plastifica o relacionamento, reduz-se ao utilitarismo que machuca a vida. Em contrapartida, o ser humano percebe-se cada vez mais isolado, mais sozinho, encerrado nas estreitezas de si mesmo. As telas são mais importantes que as páginas. O digitar é mais relevante que o aperto de mão, as curtidas fascinam mais que um sorriso. Fato que aumenta o abismo da interioridade sem sentido e vazia de significado.
O que se vê quando se olha para o ser humano? Pensar isso dá uma coceira nas ideias, recordando Rubem Alves. É necessário compreender que a baliza da vida é a Verdade, precisamente aquela do Evangelho, Aquele que se fez homem e habitou entre nós: Jesus de Nazaré. Nele não há a falência do humano, a divina cortesia que sustenta o tão humano existir.
Ele é o critério para tudo, habitando o inabitado. Estando na rotina empoeirada daqueles que simplesmente existem sem atribuir sentido à vida. Ele recupera a esperança. E, olhando para Ele, é possível recordar Milton Nascimento: “Quem sabe isso quer dizer amor? É preciso ver o humano, redespertar a beleza do significado da existência, não desistir de sê-lo.
No entanto, interpretar o que se vê e o que se sente sem degradar o melhor que sempre resta no coração que pulsa sentimento é algo imperioso. Vencer a tentação da desesperança diante do falível, do truculento que machuca e mata. É preciso apreciar o que cantara Jobim: “os olhos já não podem ver coisas que só o coração pode entender”. É preciso reencantar pela vida que nunca será absurdamente virtual ou artificial. Jamais um aparelho poderá mensurar o que bate do lado esquerdo do peito, nem traduzi-lo.
O que se vê quando se olha para o ser humano? É indagação de perene de sentido. Observar a criatura que ainda pode dar certo. Apostar na realidade positiva. Respondê-la é ainda um horizonte. E, por fim importa recordar Machado de Assis: “o humano consolar-se-á com a saudade de si mesmo”.
Padre Alessandro Tavares Alves
Diocese de Leopoldina
