A pandemia tornou-se um desafio à existência. E, imersa nesse desafio está a existência sacerdotal. Os padres sofrem junto com seu povo. Basta observar as estatísticas para compreender que muitos seminaristas, padres, bispos e religiosos foram também vitimados pelo Covid-19. A unção não nos isenta das vulnerabilidades, não nos sucumbe dos riscos.
Com efeito, além da dor da perda de irmãos no ministério ordenado, soma-se a ela a perda e a dor das pessoas, famílias. E os paroquianos vêm até nós com os olhos lacrimejando e traduzem seus sentimentos dizendo, quando conseguem, a mais fundamental das indagações: “por que?” e, nós nos adicionamos a essa dúvida, a tal lacrimejar, a angústia da impotência de não ter respostas. Percebemos que o “por que” daquela pessoa é também nosso. A dúvida sempre faz-nos uma indesejada visita.
Os padres vão experimentando os dias, com as Igrejas fechadas, interpretando os momentos, somando-se às vias-sacras que cada família enfrenta. É impossível isentar-se. Seria desumana tal possibilidade. Vivemos imersos no desconhecido, diante das estranhas consequências. A pandemia fez com que os padres se descobrissem os mais vulneráveis cireneus. Quando até ajudar não lhes é permitido, antes de tudo quando a ajuda é um risco. A entrada em hospitais foi vetada, tudo em prol do cuidado com a vida.
Em tais horas, o ajoelhar-se é o gesto fecundo. Rezar, aproximar-se de Jesus sacramentado, sobretudo neste tempo de sua via dolorosa rumo a ressurreição, que é amor depois da dor. Há o desafio de continuar ensinando que Deus é Amor diante de um coração vitimado pela truculência de um vírus invisível que rouba amores e mais, rouba tão impiedosamente que não se pode dizer adeus, um simples “vá com Deus, pai! Vá com Deus, mãe! Sendo sepultados a qualquer hora do dia e da noite, no estranho de uma madrugada escura. Assim tudo “termina”. E, precisamos, como padres, restaurar aquele coração que ficou, ensinando a continuidade do amor, ensinando, quase sem saber, a amar na aparente ausência.
É um tempo desafiador para o coração sacerdotal que também tem o direito de externar suas dúvidas. O sentimento do acreditar também é desafiado. Não é simples interpretar um sorriso brutalmente interrompido, não é tão simples compreender um ontem e um “não-hoje” subitamente acontecido. Não se observa com tranquilidade as dolorosas estatísticas. Tudo que afeta, machuca, perturba o coração humano, afeta e machuca o coração sacerdotal, que também é humano. O sentimento sacerdotal não é restrito. Sente junto, sofre junto. Somos curadores feridos, machucados pela impotência do não saber.
Com efeito, somos ornados pelo Mistério Divino e não pelo mistério de um vírus. O desafio é continuar perenemente ensinando a esperança, a não descrer no Amor. Amar com o coração machucado, ensinar a alegria, mesmo que com lágrimas nos olhos. No entanto, não estamos sozinhos. Nós sacerdotes temos a oportunidade de correr ao colo de Nossa Senhora, levar nomes, vidas, dúvidas, lembranças e chorar ali. Indagá-la: “Mãe, como a senhora conseguiu ficar de pé diante daquela cruz? Que força! Que mistério! Que amor! Fica conosco, mãe. Sustenta-nos em pé, diante da cruz dos tantos que morreram”. Nós temos um colo para chorar sempre, isso não é uma retórica romântica. É uma verdade. Jesus nô-la deu para que vivêssemos a recíproca do cuidado. Que o vírus não nos contamine com a insensibilidade.
E, celebramos a missa. Nela oferecemos as vidas, as dores, as indagações. O vulnerável é, pelo amor, transformado em Eucaristia. É o mistério do acolhimento que imerecidamente presidimos. Tudo é transformado em Cristo, a dor do povo e a dor do padre, tudo se conflui no mistério do pão. Que Deus receba todos os que morreram, fortaleça seus familiares, fortaleça os que lutam nos hospitais e em cada um, fortaleça os corações sacerdotais para que ao menos consigam chorar de pé diante das cruzes dos filhos de Deus, nossos irmãos.
Padre Alessandro Tavares Alves
Diocese de Leopoldina