A Palavra de Deus nem sempre foi central na vida da Igreja, basta ler as páginas da história para se compreender isso, evidente que por razões hermenêuticas e históricas. Contudo, uma reviravolta positiva foi dada pelo Concílio Vaticano II, com a publicação da Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina, Dei Verbum. Vale a pena conhecer um pouco mais sobre as proposições deste importante documento que possui validade perene na vida e na missão da Igreja.
É um dos textos mais objetivos do concílio, curto e denso, e que mesmo após os já passados 50 anos, não se esgotou seu estudo, tendo em vista as dimensões que ele abrange e as realidades que ele toca com muito afinco e zelo. O principal objetivo dos padres sinodais com esse texto é: “propor a genuína doutrina sobre a revelação divina e a sua transmissão, para que, ouvindo o anúncio da salvação, o mundo inteiro acredite, acreditando espere, esperando ame”.
Ela aborda a questão da revelação de maneira profunda, e pode ser analisada por diversas vertentes, sem correr o risco de empobrecer o texto, a constituição abrange todo o texto bíblico, tornando evidente que Deus sempre dialogou com a humanidade, através dos primeiros pais, os patriarcas e depois em Jesus, em que pelo Qual, estabelece ainda hoje o encontro com cada homem de fé.
Nessa perspectiva, os padres sinodais colaboram afirmando: “No devido tempo, chamou Abraão, para fazer dele um grande povo (cf. Gn 12, 2-3), ao qual depois dos patriarcas, ele ensinou, por meio de Moisés e dos profetas, a reconhecer em si o único Deus vivo e verdadeiro, o Pai providente e o juiz justo, e a esperar o Salvador prometido; assim preparou Deus através dos tempos o caminho ao Evangelho” (DV, 3).
Em Jesus a revelação está completa, como afirma a Sagrada Constituição em seu artigo terceiro “por isso ele (quem o vê, vê também o Pai, cf. Jo 14,9), com a presença e a manifestação de toda a Sua pessoa, com palavras e obras, sinais e milagres e, sobretudo, com a morte e a gloriosa ressurreição, enfim, com o envio do Espírito de Verdade, completa a revelação e confirma-a com o testemunho divino, a saber, que Deus está conosco para nos libertar das trevas do pecado e da morte e para nos ressuscitar para a vida eterna”.
O homem se entrega livremente a Deus e presta e Ele, de forma livre, a aceitação à Sua revelação. Essa revelação antecede o homem e o supera em todas as suas dimensões, envolvendo-o o supera e superando-o o inclui permanentemente. Deus se dá a conhecer o homem naquilo que ele tem de mais peculiar que é a sua humanidade.
A constituição conciliar aborda o tema da revelação, como também a sua transmissão, nesse aspecto, fala-se também dos apóstolos e seus sucessores, intitulados de arautos do Evangelho. Nesse sentido, exige-se daquele que transmite a mensagem do Evangelho uma total fidelidade ao conteúdo que ele anuncia, pois ele não anuncia a si próprio mas uma pessoa, que é Jesus Cristo, Deus mesmo.
No parágrafo oitavo da constituição está expresso: “Aquilo que foi transmitido pelos apóstolos abrange tudo quanto coopera para a vida santa do povo de Deus e para o aumento da fé, e assim a Igreja, na sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo aquilo que ela é e tudo aquilo em que acredita”. Esse aspecto refere-se à Sagrada Tradição que sempre progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo. A profunda relação com a Sagrada Escritura é ressaltada como algo profundamente cooperador para a transmissão da fé para o povo de Deus.
Na Dei Verbum, os padres sinodais trabalham a Bíblia como fator primordial para a Igreja, enquanto comunidade de fé, reunida em torno do Senhor. A exigência é que as pessoas sejam capazes de oferecer como fruto ao povo de Deus, o alimento das Escrituras, que ilumine a mente, robusteça a vontade e inflame os corações dos homens no amor de Deus (cf. DV, 23).
Assim, “deste modo, pois, com a leitura e estudo dos Livros Sagrados, “a Palavra de Deus se difunda e seja glorificada” (2Ts 3,1), e o tesouro da revelação, confiado à Igreja, encherá, cada vez mais, o coração dos homens. Assim como a vida da Igreja cresce com a assídua frequência do Mistério Eucarístico, assim também é lícito esperar um novo impulso da vida espiritual, se fizermos crescer a veneração pela Palavra de Deus, que “permanece para sempre”(Is 40,8; cf. 1Pd1,23-25)” (DV, 26).
Desta maneira os padres conciliares concluíram a constituição, ressaltando sua beleza e sua fecunda contribuição para a vida e a missão da Igreja. A Palavra de Deus é o cume da vida da Igreja e se expressa em cada ação profética sua, e faz com que o povo de Deus avance sempre mais e progrida no conhecimento de Jesus Cristo.
Constituição Dogmática Dei Verbum sobre a Revelação Divina. São Paulo: Paulinas, 2011.
Alessandro Tavares Alves
Seminarista