A santidade é a nota mais antiga atribuída à Igreja. Esse foi o primeiro adjetivo atribuído à Igreja. Assim, pensamos essa característica tão importante que trata da essência mesma da Igreja. Após pensar sua unidade, é oportuno pensar sobre sua santidade, qualificativo que diz respeito à origem e vocação mesma da Igreja.
O primeiro valor que encontramos na afirmação da santidade da Igreja deriva daquilo que faz desta Igreja a pertença de Deus: “ eleição, vocação, aliança, consagração, habitação; a Igreja é o lugar onde se presta a Deus o culto que Ele deseja” (FEINER; LOEHRER, 1975, p. 94). Na medida em que é de Deus a Igreja é santa.
Com efeito, existe na Igreja, do ponto de vista da santidade, uma dialética entre aquilo que é dado por Deus e aquilo que é recebido e realizado pelos homens. Vê nisso então a dialética do ‘já’ e do ‘ainda não’. Fator este que constitui o próprio estatuto de existência da Igreja em sua etapa itinerante, ou seja, no seu peregrinar aqui na terra.
A sagrada constituição dogmática sobre a Igreja Lumen gentium, afirma com validade em seu artigo 39: “a santidade indefectível da Igreja, cujo mistério este sagrado concílio expõe, é objeto de nossa fé. Na verdade, Cristo, Filho de Deus, que com o Pai e o Espírito Santo é proclamado o único santo, amou a Igreja como sua esposa, entregando- se a si mesmo por ela a fim de a santificar”.
Neste aspecto, todos aqueles que fazem parte da Igreja devem procurar a santidade, entendida a partir daí, como vocação de todo ser humano. Não é de estranhar que a LG, seguindo a tradição teológica, chame a Igreja de “indefectivelmente santa” e, com as palavras que professamos no credo “Igreja santa”, como também “esposa imaculada”, “povo santo”. O caráter escatológico dessas informações refere-se diretamente ao ser da Igreja em si.
Ao pensar na santidade original da Igreja, cabe uma pergunta fundamental, sendo a Igreja santa, como pensar nos pecadores que estão no seu seio? Seria a Igreja santa e pecadora? Na linha dessas indagações Pie-Ninot faz uma acertada consideração: “o Vaticano II dá grande destaque a essa realidade da Igreja que “abriga no seu seio pecadores” e que, “ao mesmo tempo santa e sempre na necessidade de purificar-se, busca sem cessar a penitência e a renovação” (LG 8). Por sua vez, lembra que “ a Igreja é chamada por Cristo a essa reforma perene. Dela necessita enquanto instituição humana e terrena. Dessa forma o concílio acentua o caráter peregrinante da Igreja, que não se identifica com o Reino de Deus, embora este esteja presente nela misteriosamente (cf. LG 3).
Afirmar a santidade da Igreja não é excluir o pecado dela, é proclamar a indissolubilidade da união de Cristo com a Igreja. Ela não é pecadora, pois isso seria reduzir a Igreja àqueles que a compõem. Ela não pode ser vista apenas como povo, mas sim como afirmou o concílio, “assim aparece a Igreja inteira como povo congregado na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (LG 4).
Nesse aspecto, vale ainda considerar o que a mesma constituição afirma: “o mistério da santa Igreja manifesta-se logo na sua fundação. O Senhor Jesus deu início à sua Igreja com a pregação da Boa-Nova, quer dizer da vinda do reino de Deus” (LG 5).
A questão do pecado sempre de novo se apresenta à Igreja questionando sua santidade. O problema apresenta-se com insistência quando se leva em conta o fato de que a Igreja é um grupo concreto de pessoas que, assim como existem, formam o agrupamento eclesial. Se a Igreja não é somente o somatório dos fiéis particulares, também não é possível que seja pensada como uma realidade “em si”, como igualmente não pode ser reduzida a somente princípios formais e constitutivos ou a sua estrutura sacramental.
Assim, a Igreja é santa em seu aspecto original, no mistério fontal que é a Trindade mesma. Com efeito, sempre necessitada de purifcar-se enquanto peregrina neste mundo. A santidade, melhor que qualquer outra, é a propriedade que mais precisamente indica a natureza da Igreja como lugar da salvação recebida e comunicada.
Essa nota eclesiológica está relacionada com a Igreja tanto em sua realidade histórica, de sinal e instrumento do Reino, como em seu destino escatológico. O cardeal Kasper colabora eficazmente afirmando: “quando falamos teologicamente da Igreja, ela não é, segundo a compreensão católica, a totalidade e a união- a serem compreendidas em termos sociológicos- de seus membros- sacerdotes, bispos, cristãos na ordens, incluído o papa.[…] no entanto, a Igreja é mais que uma grandeza sociológica. Ela é corpo de Cristo, sua cabeça é Jesus Cristo e sua alma o Espírito Santo; faz parte dela não só a Igreja terrena, mas também a Igreja celestial. […] Se partirmos dessa compreensão teológica de igreja, não se pode caracteriza a Igreja como pecadora, porque nem Cristo nem o Espírito podem ser sujeitos do pecado” (KASPER, 2012, p. 227).
Nesse sentido, a Igreja presente no mundo está sujeita às dificuldades e provações, por isso, deve ser sempre fiel á sua vocação à santidade que brota da Trindade mesma. Sobre essa dificuldade que sugere até a imperfeição da santidade eclesiológica o cardeal Ratzinger afirma “confesso, que para mim, essa santidade imperfeita da Igreja é um consolo infinito” (RATZINGER, 2005, p. 252).
A Igreja é santa, na sua comunhão e missão, nos sacramentos que expressam a ação de Deus na vida do povo pra santificá-lo e conduzir a todos à vocação de santidade.
ALESSANDRO TAVARES ALVES
III ANO DE TEOLOGIA
REFERÊNCIAS
DIANICH, Severino; NUCETI, Sereno. Tratado sobre a Igreja. São Paulo: Santuário: 2007.
Feiner; Johanes; LOEHRER, Magnus. Mysterium Salutis:Compêndio de dogmática histórico-salvífica. Vol 3. Petrópolis: Vozes, 1975.
VATICANO II. Constituição dogmática do Concílio Ecumênico Vaticano II sobre a Igreja. 23. Ed. São Paulo: Paulinas, 2012.
KASPER, Walter. A Igreja Católica: essência, realidade, missão. São Leopoldo: Unisinos, 2012.
PIÉ-NINOT, Salvador. Introdução à eclesiologia. São Paulo: Loyola, 2006.
Ratzinger, JOSEPH. Introdução ao Cristianismo: preleções sobre o Símbolo Apostólico com um novo ensaio introdutório. 7. Ed. São Paulo: Loyola, 2014.