O papa Francisco aprovou o instrumento de trabalho (instrumentum laboris) que será usado no sínodo dos Bispos na III assembleia geral extraordinária que tratará sobre “os desafios pastorais da família no contexto da evangelização”. Com esse propósito, os padres sinodais discutirão uma série de assuntos que envolvem as famílias em todas as suas dimensões, sobretudo no seu relacionamento com a Igreja e seu magistério.
A lucidez do documento é marcante, fruto de uma pesquisa nas conferências episcopais de todos os continentes, contempla cada resposta, tornando clarividente o que os padres irão abordar, com todas as suas consequências. Os bispos estão sensíveis aos clamores das famílias, com cada situação e desejam empenhar-se para acompanhar a todos e instruir a todos.
Não obstante às dificuldades em abordar uma temática tão ampla e que exige uma densa análise, os padres sinodais querem sempre de novo que a Igreja seja ‘família entre famílias’. O diálogo se faz necessário para a mútua compreensão e amadurecimento das relações, para que, assim, produzam frutos que permaneçam.
A consideração que o magistério tem para com as famílias é de grande significação, pois Jesus a santificou e quis nascer em uma. A família constitui um recurso inesgotável e uma fonte de vida para a pastoral da Igreja; por conseguinte, a sua tarefa primária é o anúncio da beleza da vocação para o amor, grande potencial também para a sociedade. Por reconhecer assim, a Igreja é chamada a acompanhar as famílias, tratando-as com cuidado evangélico, sendo instrumento para sua realização plena.
A misericórdia de Deus abre à perene conversão e ao constante renascimento, a Igreja é, nesse caso, instrumento, sacramento visível do Amor invisível. Nesse âmbito, ela pretende entender os desafios de evangelizar as famílias, pretende estreitar os laços de relacionamento e ser amparo e guia. E isso está nos propósitos do sínodo que se realizará em outubro.
O pontífice pretende abordar três grandes áreas que são: comunicar o Evangelho da família hoje, a pastoral da família diante dos novos desafios e a abertura à vida e a responsabilidade educativa. Os padres sinodais discutirão estas três grandes temáticas e seus desafios, sempre em comunhão com o sucessor de Pedro, objetivando que o Evangelho atinja sempre mais e de novo o coração das pessoas.
I) Comunicar o Evangelho da família hoje
A Igreja sente o desafio de se comunicar com as famílias no tempo hodierno, isso porque ela não anuncia a si mesma, mas o Evangelho de Jesus de Nazaré, ao qual ela é eficaz e fecundo instrumento, ela se preocupa com seus filhos e filhas e deseja a cada um deles uma vida plena. A família sempre esteve presente na consciência eclesial, pois “com o decorrer dos séculos, a Igreja não deixou faltar o seu constante ensinamento sobre matrimônio e família” (IL, 4) colocando sempre o amor no centro da família e a considerando sempre como igreja doméstica (L.G 11).
A família ajuda a Igreja a compreender o seu mistério, por isso ela a trata com tanto carinho. O papa João Paulo II definiu a família como o “caminho da Igreja” (FC, 13). E o primeiro ponto que o sínodo quer recordar às famílias é a fé, para que permitam que Deus seja o Sujeito da vida conjugal e se relacionarem a partir Dele.
O sínodo repropõe a presença da Sagrada Escritura como guia para a família, como fonte que não se esgota. Faz um apelo aos padres para que sejam coerentes com a doutrina e que não confundam o povo de Deus, que sejam capazes de propor uma espiritualidade familiar e moral, para que à luz de Jesus Cristo, possam compreender sua caminhada e, que, sobretudo, a Igreja não exclui ninguém, e seu magistério não é moralista.
É preciso recordar “o quanto é necessário a relação entre o Evangelho e o ser humano em todas as suas declinações históricas e culturais” (cf. IL, 20), e, com isso, rever as posturas que, por vezes, ferem o Evangelho de Cristo. Por vezes, são negligenciadas as lei da criação, os desígnios do Criador são ignorados e impera o subjetivismo e o relativismo deixando a Igreja e o Evangelho nas periferias das decisões. É desejo da Igreja que as famílias cresçam na escola de Jesus e tornem-se interlocutores do amor, comunicadores da multiforme graça de Deus. O desafio em comunicar o Evangelho das famílias reside, sobretudo, na indiferença desta em relação à palavra da Igreja que se radica sempre no Evangelho do Senhor. E, quando a penumbra é o que permanece, a consciência se obscurece e não se decide com firmeza pelo Senhor.
II) A pastoral da família diante dos novos desafios
Este documento possui uma peculiaridade, que é reunir as conclusões das várias conferências episcopais do mundo inteiro e ser sensível às várias preocupações das Igrejas particulares para com a questão familiar. Os bispos constataram as várias dificuldades e as colocaram como desafios para trabalhar as famílias como o divórcio, uniões homossexuais, famílias não praticantes, casais de segunda união e que desejam retornar ao seio da Igreja por sentirem-se excluídos, pelo fato de serem privadas do sacramento.
Todos esses aspectos, que se apresentam como desafios para a pastoral familiar, requerem preparo para elucidar estas questões que são cada vez mais presentes hoje. A Igreja quer dialogar com essas questões, ouvir e acolher a todos, acompanhar nas dificuldades, para que possa orientar sempre de novo. Aponta também como dificuldade a crise de fé que assola as famílias, deixando-as sem referência quanto ao amor maior que a supera, por isso a inclui. E, sugere que “em particular, frise-se a necessidade de que a paróquia torne-se próxima como família de famílias” (IL, 63).
O documento ainda aborda como desafio as dificuldades de comunicação entre as famílias, fragmentação e desagregação, violência e abuso, as dependências do efêmero, pobreza, fenômeno migratório, consumismo e individualismo e até nos contratestemunhos na Igreja. “Em particular, frisa-se a percepção da rejeição em relação às pessoas separadas, divorciadas em pais single por parte de algumas comunidades paroquiais, assim como o comportamento intransigente e pouco sensível de presbíteros, ou, mais em geral, a atitude da igreja, sentida em muitos casos como excludente, e não como uma Igreja que acompanha e ampara”. (IL, 75).
É preciso acompanhar com proximidade, o anúncio da misericórdia se faz urgente, conforme apresenta o Instrumentum Laboris, 80, “A verdadeira urgência pastoral é a de permitir que estas pessoas curem as feridas, sarem e retomem o caminho juntamente com toda comunidade eclesial. A misericórdia de Deus não provê uma cobertura temporária do nosso mal, mas abre radicalmente a vida à reconciliação, conferindo-lhe renovada confiança e serenidade, mediante uma verdadeira renovação. A pastoral familiar, longe de se fechar num olhar legalista, tem a missão de recordar a grande vocação ao amor ao qual a pessoa está chamada e de ajudá-la a viver à altura da sua dignidade”.
Mediante todos os desafios, que são inúmeros, a Igreja quer se aproximar e dialogar, ela quer se fazer entender, dialogar com espírito aberto com cada realidade e nesse sincero diálogo, tentar fazer crescer em cada fiel o desejo de se aproximar de Deus. Muitas pessoas se distanciaram da Igreja, consideram-na obsoleta, incapaz de ser a guia moral, ou ainda, intransigente na vida humana, faltando a ela credibilidade para fazer assertivas sobre o ser humano. Mas, não obstante tudo isso, ela insiste em anunciar a verdade que é Jesus mesmo.
É preciso uma mútua revisão, sobre isso o documento em seu artigo 103, afirma: “A caridade pastoral impele a Igreja a acompanhar as pessoas que passaram por uma falência matrimonial e a ajudá-las a viver a sua situação com a graça de Cristo […]. Com grande misericórdia, a Igreja é chamada a encontrar formas de companhia com as quais apoiar estes seus filhos num percurso de reconciliação. Com compreensão e paciência, é importante explicar que a impossibilidade de aceder aos sacramentos não significa ser excluídos da vida cristã e da relação com Deus”.
III) A abertura à vida e a responsabilidade educativa
Os padres sinodais tratarão com bastante afinco a questão da educação ao ser família, no intuito de explicitar os desafios e dialogar com eles, para uma solução mais evangélica, “neste campo tocam-se dimensões e aspectos muito íntimos da existência, acerca dos quais se salientam as diferenças substanciais entre uma visão cristã da vida e da sexualidade, e um delineamento fortemente secularizado” (I.L, 121).
É imperioso o conhecimento do magistério e dialogar com ele, para se educar e crescer na compreensão de que a Igreja não exclui, e, ainda, não é obsoleta, que ela tem sim, algo valioso a dizer ao mundo, que não é, senão, o Evangelho mesmo. Ela é mãe e quer orientar seus filhos no diálogo, revendo posturas que precisam se adequar ao Evangelho. “Sente-se a necessidade de que a posição da Igreja a este propósito seja explicada melhor, principalmente diante de determinadas reduções caricaturais por parte dos meios de comunicação. Precisamente de acordo com um olhar personalista e relacional, parece necessário não limitar a questão a problemáticas meramente técnicas. Trata-se de acompanhar dramas que marcam profundamente a vida de inúmeras pessoas, fazendo-se promotores de um modo verdadeiramente humano de viver a realidade do casal, em situações muitas vezes árduas, que merecem a devida atenção e um respeito sincero” (IL, 125).
O conhecimento é indispensável e o olhar paciente sobre a doutrina se faz necessário para que não se tenha conclusões precipitadas, baseadas no efêmero. É preciso reconhecimento e mudança de vida e de postura, ter a mentalidade aberta à vida. Nesse campo reside o desafio de educar, fazer amadurecer na fé.
Sugere-se qualidade na catequese, lucidez no ensino da moral e coerência por parte dos sacerdotes, para que flua da melhor maneira e tenha uma linguagem capaz de atingir as pessoas. “No entanto, os três grandes âmbitos sobre os quais a Igreja tenciona desenvolver o debate para chegar a indicações que correspondam às novas perguntas presentes no povo de Deus são aqueles aqui evocados: o Evangelho da família a ser proposto nas circunstâncias atuais, a pastoral familiar a ser aprofundada frente os novos desafios, a relação generativa e educativa dos pais em relação aos filhos”. (IL, 158).
Referência
Sínodo dos Bispos, III assembleia geral extraordinária. Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização: intrumentum laboris. São Paulo: Paulinas, 2014.
Seminarista Alessandro Tavares Alves
II ano de Teologia – Diocese Leopoldina