Por vezes, o passado acaricia o presente. Quando éramos crianças, mediante uma travessura, corríamos, caíamos e ralávamos o braço ou outro lugar, era natural correr chorando para o papai ou mamãe e, eles na tranquilidade que a experiência lhes inspira, beijavam nosso machucado e diziam: sarou! E, sarava! O beijo do papai e da mamãe nos curava. Voltávamos a brincar na certeza de, caso machucássemos novamente, teríamos o beijo da cura.
Com efeito, esse amor é um reflexo, uma centelha do amor divino. Deus nos ama infinitamente mais. E, continua a nos beijar. Beija-nos em nossos machucados espirituais, existenciais. O beijo que humaniza e que nos faz gente. A certeza de um recomeço sempre constante. É o beijo divino que nos capacita a resilir. As secretas artimanhas divinas que se escondem nas linhas tortas nas quais Deus escreve. Ele é especialista nisto: escrever em linhas tortas.
A vida é composta de simetrias inesperadas. Ela pode ser inverossímil e muitas o é. As incongruências são compreendidas pelo único Mistério que explica o humano a si mesmo. Jesus de Nazaré veio ensinar o ser humano a ser gente. Educa ao refinamento da sensibilidade. A cadência da existência é ornada pela sonoridade do amor divino. O tempo do céu educa o tempo homem. A ansiedade obriga o coração a trabalhar mais depressa. Precipita suas pulsações. Mas, Deus não é ansioso.
O beijo do Pai refina os sentimentos, constrói a vida e soluciona os irremediáveis conflitos das coisas humanas. Com efeito, como afirmara Machado de Assis: “ a lei do coração é anterior e superior às outras leis”. O coração que é divinamente beijado entende o caminho da misericórdia e aprende a ser misericordioso pelo caminho. Misericórdia é coisa rara, mas não é impossível. O beijo divino explica a sintaxe da vida, retira do analfabetismo da existência. Jesus é o professor, Maria é a caligrafia.
Com efeito, o ser humano tem medo do desamparo, do desprotegimento. E, esse medo é sanado pela presença divina que abraça e reinicia a vida precisamente aí, no abraço. Depreende-se assim que o abraço de Deus é o lugar do homem. Ele deve estabelecer residência existencial e espiritual aí. Aquele que beija a humanidade ensina à humanidade a beijar-se pela ternura que, como afirmara Dom Luciano Mendes de Almeida, é a única capaz de salvar o mundo.
Maria de Nazaré, que foi beijada por Jesus e, esse beijo tornou todas as suas cruzes suportáveis, que ela seja a inspiração para a humanidade. Deus beija o vulnerável e o capacita a suportar a dor, a enfrentar as cruzes e a saborear a alegria do ressuscitado que jamais cessa. Que sejamos capazes de sentir o beijo do reinício, o beijo do sorriso divino.
Padre Alessandro Tavares Alves
Diocese de Leopoldina