Em tempos de rápidas transformações é fundamental colocar-se em questão. Isso não para o afago do ego ou simplesmente um mero cultivo da aparência, mas é preciso perceber-se, é necessário ser. As circunstâncias entulham a vida com afazeres desmedidos, rotinas aceleradas transformando o homem em um grande competidor, compete consigo e com os outros, um pesado encargo tantas vezes entendido com a conotação de “superar-se”. Esses fatores geram um esquecimento do humano pelo próprio humano, os sentimentos mais íntimos são roubados, sequestrados pelas banalidades do comum.
As vontades são controladas pelas necessidades do mercado, as consciências são moldadas pelos desejos das mídias, tudo isso faz com que se tenha uma perda de autonomia. O “volante” da vida é entregue a outrem e, com efeito, o rumo que será tomado é imprevisível quanto ao destino, mas cruel quanto aos efeitos. Nesse emaranhado de situações é preciso olhar Jesus de Nazaré. É preciso redescobrir o ABBÁ, que cuidou de Jesus e olhar-nos através das lentes do Cristo.
Entender novamente a dinâmica do Deus da Criação, reencantar-se pelo primeiro amor e não dar cumprimento ao que afirmou São João no livro do Apocalipse: “abandonaste o primeiro amor” (Ap 1,4). É fundamental o não esquecimento de nossa filiação. Somos originários do Amor. Apostar nas palavras do salmista “Quando vejo teus céus, obras de teus dedos, a lua e as estrelas que firmaste, o que é o homem para dele te lembrares, um filho de homem para visitá-lo? ” (Sl 8, 4-5).
A interrogação do salmista é de grande relevância. Deus, o Criador, se lembra de nós e nós nos esquecemos de nós mesmos. Ainda corremos o risco de sofrermos uma “mutação” para o que não esperávamos e descobrir-nos um grande desconhecido de nós mesmos. Descobrir nossa vocação, nosso sentido, nossa razão original de existir é uma conquista. Reviver a habilidade de encantar-se pelo simples. Deus é simples. Tornar a vida mais leve e menos complexa, menos exigente. Colocar-se sempre maior que a rotina. Jesus não se deixou levar pelo seu quotidiano, não perdeu o sabor da vida. Ele rezava, estava sempre com o coração no céu.
Jesus aproximou-se de nós não pela fortaleza, mas sim pela fragilidade. Nesse sentido, redescobrir-se humano passa também pelo redescobrir-se frágil, pequeno, para aí ser grande aos olhos de Deus. Cair a máscara de “super-humanos” que o contexto nos impõe. E enfrentar a vida com o nosso tamanho, mas ornado e amparados pela fé. A fé genuína como afirma o escritor sagrado aos Hebreus: “pela fé, compreendemos que o mundo foi formado pela Palavra de Deus. Foi assim que de coisas invisíveis se originou o que vemos” (Hb 11, 3). É preciso re-descobrir-se amado, re-descobrir-se filho muito amado de Deus, re-descobrir-se feliz.
Padre Alessandro Tavares Alves
Diocese de Leopoldina